Aprendendo com o erro dos outros – Como a Kodak fracassou

Por Chunka Mui – 

Há poucos erros corporativos tão impressionantemente estúpidos como as oportunidades perdidas pela Kodak com a fotografia digital, uma tecnologia que ela inventou. Essa falha estratégica foi a causa direta das suas décadas de declínio, com a fotografia digital destruindo seu modelo de negócios baseado no uso de filmes.

Um novo livro do meu colega Vince Barabba, um ex-executivo da Kodak, dá uma visão sobre as escolhas que colocaram a Kodak na sua trajetória até a falência. O livro de Barabba, The Decision Loom: A Design for Interactive Decision-Making in Organizations (“O Tear da Decisão: Uma proposta para a tomada interativa de decisões em organizações”, em tradução livre), também oferece sábios conselhos sobre como outras organizações envolvidas com tecnologias disruptivas podem evitar seus próprios “momentos Kodak”.

Steve Sasson, o engenheiro da Kodak que inventou a primeira câmera digital em 1975, descreveu desta maneira a resposta inicial da corporação à sua invenção:

Como era uma fotografia sem filme, então a reação da diretoria foi: “Isso é bonito, mas não comente com ninguém.”

https://youtu.be/A1zzehTOKi0

A incompetência da diretoria da Kodak em perceber a fotografia digital como uma tecnologia disruptiva, mesmo com seus pesquisadores ampliando os limites dessa tecnologia, continuaria por décadas. Foi tão longe que, num vídeo de 2007, o marketing da empresa sentiu a necessidade de alardear que “A Kodak voltou” e que não mais trataria o digital como brincadeira.

Os resultados do estudo produziram tanto “más” como “boas” notícias. A má era que a fotografia digital tinha o potencial para substituir o negócio da Kodak baseado em filme. A boa era que isso levaria algum tempo e a Kodak tinha cerca de dez anos para se preparar para a transição.

As projeções do estudo se baseavam em inúmeros fatores, como: o custo do equipamento da fotografia digital, a qualidade das imagens e das impressões e a interoperabilidade de vários componentes, como câmeras, telas e impressoras. Tudo apontava para a conclusão de que a adoção da fotografia digital seria mínima e não seria uma ameaça por um tempo. A história provou que as conclusões do estudo foram notavelmente precisas, tanto no curto como no longo prazo.

O problema foi que, ao longo dessa janela de dez anos de oportunidade, a Kodak fez pouco para se preparar para a disrupção. Na real, a Kodak cometeu exatamente o mesmo erro que George Eastman, seu fundador, tinha evitado duas vezes antes, quando desistiu de um negócio rentável usando o processo da prata coloidal e passou a usar filmes, e quando investiu nos filmes coloridos mesmo esses sendo comprovadamente inferiores aos preto e branco, no que a Kodak dominava.

Barabba saiu da Kodak em 1985, mas se manteve próximo da alta diretoria. Assim pôde assistir de perto à opção que a Kodak fez de usar o digital para melhorar a qualidade do filme, em lugar de se preparar para o momento no qual a fotografia digital substituiria a de filmes (como o fundador Eastman fizera antes com tecnologias disruptivas).

Essa estratégia continuou, apesar de, em 1986, o laboratório de pesquisa da Kodak ter desenvolvido a primeira câmera megapixel, um dos marcos previsto no estudo de Barabba como um ponto de virada na viabilidade da fotografia totalmente digital.

A escolha de usar o digital como um suporte para a indústria de filmes culminou em 1996 com o sistema Advantix Preview, de filme e câmera digital, com o qual a Kodak gastou mais de US$ 500 milhões para desenvolver e lançar. Um dos principais recursos do sistema Advantix era permitir que os usuários visualizassem a foto previamente numa tela e pudessem indicar quantas cópias iam querer.

O Advantix Preview podia fazer isso porque era uma câmera digital. No entanto, ainda usava filme e enfatizava a impressão, já que a Kodak estava no mercado de filmes fotográficos, química e papel. O Advantix fracassou. Por que comprar uma câmera digital e ainda pagar para revelar fotos? A Kodak desperdiçou praticamente todo esse custo de desenvolvimento.

Como Paul Carroll e eu descrevemos no livro Billion-Dollar Lessons: What You Can Learn From The Most Inexcusable Business Failures of the Last 25 Years(“Lições de Bilhões de Dólares: O que aprender com os mais imperdoáveis fracassos de negócios nos últimos 25 anos”, em tradução livre), a Kodak também sofreu de várias outras feridas autoinfligidas e significantes nesses anos cruciais:

Em 1988, a Kodak comprou a Sterling Drug por US$ 5,1 bilhões, quando decidiu que, na realidade, era uma empresa de química cuja parte dos negócios era uma companhia de fotografia. Rapidamente ela percebeu que o papel fotográfico tratado quimicamente não era na verdade a mesma coisa que agentes hormonais e drogas cardiovasculares, e vendeu a Sterling em pedaços, por cerca da metade do preço que pagou.

Em 1989, o conselho diretor da Kodak teve a chance de fazer uma mudança de curso, quando o então CEO, Colby Chandler, se aposentou. A escolha do novo CEO apontava para Phil Samper ou Kay R. Whitmore. Whitmore representava o negócio tradicional de filmes, o qual ajudara a crescer por três décadas. Samper tinha um profundo apreço por tecnologia digital. O conselho escolheu Whitmore.Como o New York Times relatou na época:

O senhor Whitmore disse que ia assegurar que a Kodak mantivesse seus negócios principais em filmes e produtos químicos para fotografia.

Samper pediu demissão e demonstraria sua compreensão do mundo digital nos cargos de presidente da Sun Microsystems e, depois, como CEO da Cray Research. Whitmore durou pouco mais do que três anos antes de o conselho demiti-lo em 1993.

Por mais de dez anos, uma série de novos CEO’s da Kodak lamentaria o fracasso de seu antecessor em transformar a empresa em digital, declararia sua própria intenção de levar a cabo o serviço e também falharia nessa empreitada. George Fisher, que foi atraído da sua posição de CEO da Motorola para suceder Whitmore em 1993, descreveu a questão principal quando disse ao New York Times que a Kodak “considerou a fotografia digital como um inimigo, um rolo compressor que poderia matar seu negócio de filmes e papel baseado em química e que alimentou as vendas e lucros da Kodak por décadas”.

Fisher acompanhou o fracasso do Advantix e foi embora em 1999. Como o vídeo de 2007 reconhece, a história não mudou por mais uma década. Em 2012 a empresa entrou em concordata, saiu da bolsa de valores, vendeu ativos e se reorganizou como um negócio de licenciamento de tecnologias patenteadas. Suas perspectivas foram reduzidas a processos contra a Apple e outras empresas por violação de patentes que ela nunca foi capaz de transformar em produtos vencedores.

Encarar os dilemas das tomadas de decisões estratégicas — como os enfrentados pela Kodak — é uma das questões primordiais abordadas no livro de Vince Barabba. A diretoria da Kodak não só presidia a criação dos avanços tecnológicos como também foi apresentada a uma avaliação precisa do mercado sobre os riscos e as oportunidades desse potencial. No entanto, falharam em fazer as escolhas estratégicas corretas.

Essa não é uma questão acadêmica para Vince Barabba, mas sim o apogeu do trabalho de sua vida. Ele passou grande parte de sua carreira entregando inteligência de mercado para conselhos diretores. Além de suas experiências na Kodak, sua carreira inclui a direção por duas vezes do U.S. Census Bureau (Birô Censitário Americano, em tradução livre), chefe de pesquisa de mercado na Xerox, diretor de estratégia da General Motors (durante alguns dos recentes melhores anos da empresa) e entrou para o hall da fama da pesquisa de mercado.

The Decision Loom explora como garantir que a gestão use apropriadamente a inteligência de mercado. O livro contém a receita de Barabba para que a direção sênior consiga transformar todos os dados, informação e conhecimento que os pesquisadores de mercado lhe entregam em sabedoria para tomar as decisões corretas. É algo que vale a pena considerar.

Barabba argumenta que quatro capacidades inter-relacionadas são necessárias para permitir uma tomada de decisão eficaz para toda empresa — nenhuma delas particularmente presente nas decisões importantes que a Kodak tomou:

1. Ter uma mentalidade empresarial aberta a mudanças

A menos que os executivos do topo sejam suficientemente abertos e dispostos a considerar todas as opções, o processo de decisão pode rapidamente ficar distorcido. Ao contrário de seu fundador, George Eastman, que por duas vezes adotou tecnologias disruptivas na fotografia, a direção da Kodak nos anos 80 e 90 não estava disposta a considerar o digital como um substituto para o filme. Isso os constrangeu a um caminho fundamentalmente errado.

2. Pensar e agir holisticamente

Separar as coisas para, em seguida, otimizar diferentes funções geralmente reduz a eficácia do conjunto. No caso da Kodak, a direção fez um trabalho razoável para entender como as partes da empresa (incluindo seus parceiros nos filmes) interagiam com os fluxos da tecnologia existente. Entretanto, havia pouco apreço pelos esforços realizados nos laboratórios de pesquisa da Kodak com tecnologia digital.

3. Ser capaz de adaptar o plano da empresa a novas condições

Barabba propõe três projetos diferentes de negócio que devem caminhar ao longo de um fluxo mecânico, mas orgânico e contínuo: fazer-e-vender, perceber-e-reagir e antecipar-e-liderar. O projeto correto depende da previsibilidade do mercado. A indisposição da Kodak para mudar sua grande e muito eficiente capacidade de fazer-e-vender filmes diante do surgimento das tecnologias digitais a fez perder a chance de adotar o projeto de antecipar-e-liderar, o que poderia ter garantido uma posição de liderança em imagens digitais.

4. Tomar decisões de forma interativa usando métodos variados

Isso se refere à capacidade de incorporar uma gama de ferramentas sofisticadas de decisão ao abordar complexos problemas de negócios. A Kodak teve todo o suporte necessário em seu processo de decisão, mas não conseguiu usar a informação com eficácia.

Enquanto The Decision Loom segue um longo caminho para explicar a reação lenta da Kodak para a fotografia digital, seu real valor é ser um indicativo para os gestores que hoje lidam com mudanças cada vez mais disruptivas. Como são poucos os mercados que não passam por disrupções, é um livro valioso para qualquer gestor (ou aspirante) ler.


Chunka Mui é coautor do livro The New Killer Apps: How Large Companies Can Out-Innovate Start-Ups.

Para entender como a empresa pôde ficar em negação por tanto tempo, deixe-me voltar para 1981 e contar uma história que Vince Barabba narra, de quando ele era chefe da inteligência de mercado da Kodak. Na época em que a Sony lançou a primeira câmera eletrônica, uma das maiores empresas varejistas de revelação de filmes da Kodak perguntou-lhe se deveriam se preocupar com a fotografia digital. Com o apoio do então CEO, Barabba realizou um grande esforço de pesquisa que analisou e comparou as principais tecnologias e as prováveis curvas de adoção em torno do filme versus a fotografia digital.

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