Salas de aula viram laboratório de criatividade, em Caxias do Sul

Inovação 16/07/2016 |

Dialogando com demandas da sociedade, ideias surgidas no meio acadêmico ganham cada vez mais visibilidade

Salas de aula viram laboratório de criatividade, em Caxias do Sul Diogo Sallaberry/Agencia RBS
Estudantes de Publicidade da FSG criaram aplicativo para auxiliar
a colocação de candidatos LGBT no mercado de trabalho
Foto: Diogo Sallaberry / Agencia RBS

Maristela Scheuer Deves e Diego Adami

maristela.deves@pioneiro.com;
diego.adami@pioneiro.com

O universo acadêmico não é ambiente fértil apenas para o surgimento de boas ideias. Embora tratados apenas como trabalho de conclusão de disciplinas específicas, muitos projetos possuem potencial para sair da teoria e ganhar vida própria além de salas de aula e laboratórios. Combinando pesquisa e criatividade, acadêmicos das mais diversas áreas dedicam-se a projetos que unem teoria e prática e dialogam com as necessidades da sociedade.

Um aplicativo desenvolvido por estudantes da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG), em Caxias do Sul, é um exemplo disso. Instigados pela professora Camila Cornutti, da disciplina Design Digital, os alunos do curso de Publicidade e Propaganda Patrick Figueiredo, 18 anos, Soiane Vohlbrecht, 19, e Luciano Sartor, 18, criaram o MInclui — Agência LGBT, cujo objetivo é auxiliar candidatos LGBTs na busca por uma colocação no mercado de trabalho.

— É como se fosse uma ponte para interligar as empresas e as pessoas. Por que não tentar ajudar esse público? — resume Soiane.

Ideia do MInclui, surgida após uma palestra, é reunir num aplicativo vagas e candidatosFoto: Diogo Sallaberry / Agencia RBS

As 18 telas desenvolvidas pelo trio reúnem espaços nos quais as empresas podem anunciar vagas e os interessados, candidatarem-se a elas, por meio de um cadastro com login e senha no qual é possível descrever suas habilidades. Segundo a estudante, a ideia do app surgiu após uma palestra na instituição a respeito de temas como gêneros, machismo e feminismo.

— Não tem como dizer que não há preconceito contra essas pessoas. Se não existisse, não morreria quase uma pessoa por dia no Brasil vítimas de homofobia, simplesmente pelo fato de serem elas mesmas — completa a futura publicitária.

O trabalho ficou em segundo lugar no Desafio FSG, concurso que premia em dinheiro os melhores trabalhos desenvolvidos por alunos de graduação da instituição. Para convencer os jurados de que mereciam estar no pódio, os colegas exibiram um vídeo que relata a dificuldade de uma jovem lésbica em conseguir um emprego.

— Simplesmente meu estilo, meu cabelo, minha orientação sexual, não era algo que se encaixasse no perfil de nenhuma vaga, por puro preconceito — diz a personagem Bárbara, no teaser.

A professora Camila fala com orgulho do projeto, especialmente pelo fato de seus alunos terem escolhido abordar um tema sobre o qual ainda há uma certa resistência.

— A universidade é o lugar onde se deve pensar nesses assuntos, problematizar as coisas da vida, e os dados a respeito do preconceito contra LGBTs são alarmantes. Vejo que há muitas possibilidades desse projeto se expandir, não só localmente, mas globalmente — afirma a doutora.

Com o prêmio de R$ 1,8 mil que obtiveram no Desafio FSG, os alunos pretendem registrar a ideia para tentar viabilizá-la. Mas, para que o MInclui comece de fato a funcionar, precisam de patrocínio para os custos de programação.

Múltiplas utilidades para as malhas

Na UCS, alunos de Design pesquisaram outros produtos que podem
ser desenvolvidos por malharias, além do vestuário
Foto: Diogo Sallaberry / Agencia RBS

Instigados a sugerir alternativas para o uso de malhas que fugissem das tradicionais roupas de inverno, 30 alunos do curso de Bacharelado em Design da Universidade de Caxias do Sul (UCS) fizeram uma imersão no setor para desenvolver produtos que proporcionassem às malharias a possibilidade de fugir da sazonalidade da estação do frio.

Desde março, eles foram a campo para estudar cada detalhe de empresas de Bento Gonçalves, Caxias, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Nova Petrópolis e Nova Prata. E, a partir da pesquisa, criaram peças nas quais puderam colocar em prática todos os conhecimentos obtidos ao longo de sete semestres.

Além do diagnóstico in loco, pesquisaram tendências globais, ouviram profissionais da moda, analisaram questões culturais, construíram planilhas. Das 30 malharias estudadas, apenas uma, com sede em Farroupilha, tem em seu catálogo itens que vão além do vestuário.

— Dá pra fazer tanta coisa. A questão é que todo mundo acaba fazendo o mesmo casaco — salienta o professor Douglas Pastori, que orientou a turma de Projeto Integrado II desde março.

Os projetos são de encher os olhos. Pensando nas crianças com dificuldade para dormir à noite em razão do medo de escuro, Wilian Bertuol, 23, desenhou uma almofada com sistema de iluminação em formato de arraia.

— Pensei na questão lúdica, em como a criança pode se sentir abraçada e segura enquanto dorme — explica Bertuol.

Para citar mais alguns exemplos: Bruna Rasador, 24, criou uma espreguiçadeira com manta e almofadas de inspiração em tribos indígenas.

— A ideia foi criar a sensação de aconchego, com peças de malha que formam conjuntos colecionáveis — afirma a estudante.

Bolsa estilo hipster, ideia de Guilherme Brogliato, acondiciona
equipamentos como notebook e máquina fotográfica
Foto: reprodução / reprodução

Guilherme Brogliato, 24, desenvolveu o projeto de uma bolsa estilo hispster com compartimentos para acomodar equipamentos como notebook, tablet, câmera fotográfica e outros acessórios. Tudo em malha.

Outra aplicação possível para as malhas, uma bolsa para ser usada na bicicleta,
foi sugerida por Gustavo Medeiros Lionço
Foto: reprodução / reprodução

Praticante de ciclismo, Gustavo Medeiros Lionço, 24, projetou uma bolsa que pode ser fixada no quadro da bicicleta ou carregada com o auxílio de uma haste.

Luminária com sistema de inversão de cúpula é ideia do estudante Bruno dos Santos Pierosan
Foto: reprodução / reprodução

Por fim, Bruno dos Santos Pierosan, 23, criou uma luminária com sistema de inversão de cúpula que permite regular a luminosidade por meio de um sistema menos complexo do que os convencionais.

E mesmo que se trate apenas de um trabalho acadêmico, os alunos sonham com a possibilidade de viabilizar seus projetos.

— Gostaria muito de levar adiante — vislumbra Bruna.

Pastori também é confiante:

— São trabalhos que abrem perspectivas. Novos produtos para novos públicos.

É a universidade cumprindo seu papel.

Novo design e uso mais amplo

Handbike YOo, que anda em qualquer terreno e pode auxiliar na mobilidade de pessoas
com deficiências físicas, foi projetada por Juliano Carniel, formando da Ftec, em seu trabalho de conclusão
Foto: Juliano Carniel / reprodução

O fato de trabalhar há cinco anos em uma empresa que desenvolve produtos e acessórios para pessoas com deficiências físicas fez com que o estudante Juliano Carniel, 26, elegesse essa área para o seu trabalho final no curso de Design de Produto, da Ftec Faculdades. Assim nasceu o projeto da Hanbike YOo,espécie de triciclo com os pedais adaptados para uso com as mãos.

— A ideia surgiu na aula de projeto empreendedor, com o tema empatia — conta o formando.

Ele explica que, embora já existam produtos similares no mercado, o modelo idealizado tem um design mais orgânico em vez dos tradicionais tubos retos e dobrados do padrão bicicleta. Além disso, o fato de as rodas projetadas serem mais largas permitiriam que a Handbike YOo fosse usada em qualquer ambiente, estradas boas e ruins e até mesmo trilhas off road.

— Geralmente, as existentes só podem ser usadas em estradas e pistas de asfalto — diz, acrescentando que seu modelo permitiria ao usuário trafegar onde usualmente uma cadeira de rodas não chega.

Apesar dessas vantagens, não há previsão de colocação em prática do projeto:

— Teria de ter um grande investimento, pois ele seria de fibra de carbono, um material com bastante características positivas mas atualmente muito caro ainda — explica.

Caminhos para concretização da ideia


Uma boa ideia é o começo, mas a partir daí surge a pergunta: como viabilizá-la?

— Procure o Sebrae — aconselha o gerente da Regional Serra Gaúcha do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Rogério da Silva Rodrigues.

Ele explica que, além de dar suporte a novos empreendedores, o Sebrae também ajuda quem tem uma ideia inovadora a dar o primeiro passo: montar um plano de negócios, detalhando a viabilidade econômica e técnica do projeto. Esse plano vai ser necessário, por exemplo, para procurar um financiamento para desenvolver o produto, ou mesmo para atrair investidores.

— Ter o plano de negócios em mãos vai mostrar seriedade, dar credibilidade — ensina Rodrigues, acrescentando que o Sebrae mantém parceria com faculdades e universidades, estimulando laboratórios e disciplinas de empreendedorismo, bem como a criação de startups.

Já o projeto Agente Local de Inovação (ALI) oferece bolsas para quem tem soluções inovadoras compartilhá-las com empresas acompanhadas pelo Sebrae (nesse caso, vale também ser recém-formado).

Outra dica para quem é acadêmico é ficar atento a programas como o Startup Weekend, um final de semana de atividades com o objetivo de analisar a viabilidade de ideias e formar parcerias para sua concretização — o próximo está programado para os dias 26, 27 e 28 de agosto, na Ftec (há inclusive uma página do evento no Facebook). Na mesma linha, existe ainda o movimento Acelera Serra, voltado a empreendedores que desejam abrir negócios inovadores ou inovar naqueles já existentes e que envolve diversas entidades.

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