“Poucos estão adquirindo o capital humano necessário às novas ideias”, diz Paul Romer, ganhador do Nobel

Paul Romer já mostrou, matematicamente, como a inovação vira crescimento. Agora, pede a empreendedores e governantes que imaginem como tornar suas cidades mais hospitaleiras às boas ideias

Publicado em 13/02/2019 – https://epocanegocios.globo.com/ – POR MARCOS CORONATO

Paul Romer já mostrou, matematicamente, como a inovação vira crescimento. Agora, pede a empreendedores e governantes que imaginem como tornar suas cidades mais hospitaleiras às boas ideias (Foto: Ilustração de Catarina Bessell sobre foto de Michael Short / Getty Images)

NEURÔNIOS - AINDA TEMOS MUITO A DESCOBRIR SOBRE COMO IDEIAS ENTRAM NUM CÉREBRO E VIRAM CAPITAL HUMANO, DIZ O GANHADOR DO NOBEL (FOTO: ILUSTRAÇÃO DE CATARINA BESSELL SOBRE FOTO DE MICHAEL SHORT / GETTY IMAGES)

 

O economista Paul Romer, professor na escola de negócios Stern, na Universidade de Nova York (NYU), fez muito barulho em 2018. Começou o ano deixando o cargo de economista-chefe do Banco Mundial, depois de criticar publicamente o trabalho da própria instituição (Romer sugeriu que haveria, entre profissionais do banco, má vontade ideológica ao avaliar o ambiente de negócios do Chile sob o governo da socialista Michelle Bachelet). Depois, em outubro, ganhou o maior reconhecimento de sua área — o Prêmio Nobel de Economia.

Romer, americano de 63 anos, deu aulas nas universidades da Califórnia em Berkeley, de Chicago e Stanford. Ele expandiu nossa compreensão sobre a importância do progresso tecnológico. Mostrou, matematicamente, que ideias são bens “não rivais” (a mesma ideia pode ser usada por todos que quiserem, sem que ela necessariamente perca valor) e como elas se encaixam no modelo de crescimento econômico mais aceito (seu paper de 1990 “Mudança tecnológica endógena” se tornou um clássico da área). Depois de desenvolver essa linha de pesquisa nos anos 90, o irrequieto Romer se empenhou no estudo econômico das cidades — a trajetória de Hong Kong o impressiona muito — e criou em 2010, na NYU, o Projeto de Urbanização Stern, para que pesquisadores, empreendedores e gestores públicos discutam como inovar na organização urbana.

Época NEGÓCIOS Você recebeu o Prêmio Nobel por incluir, de um jeito original, o efeito das ideias num modelo de crescimento econômico. Desde então, a importância do assunto continua crescendo. O que ainda falta entendermos, na relação entre inovação e crescimento?
Paul Romer 
Meu trabalho é extremamente abstrato — estamos falando de como ideias afetam o crescimento econômico e o desenvolvimento. Já a inovação e o avanço tecnológico estão entre as formas bem concretas de as ideias se manifestarem. Muitos conceitos e processos por trás disso continuam pouco conhecidos. Afinal, quando tratamos de como as ideias vão mudar uma sociedade, estamos essencialmente falando de como as ideias se formam num conjunto de neurônios de algumas pessoas, em alguns lugares, especialmente pessoas que buscam o lucro; e de como essas ideias são escritas, apresentadas ou codificadas, de forma que possam ser apreendidas e usadas por outros conjuntos de neurônios, de outras pessoas, em outros lugares. Temos de saber mais sobre como ideias armazenadas num texto se convertem em capital humano armazenado no cérebro de alguém.

NEGÓCIOS Você pode dar um exemplo do que precisamos pesquisar mais e talvez aplicar melhor na sociedade?
Paul 
Pensemos num cirurgião. Ele aprende o ofício ao estudar numa sala de aula, mas também aprende de um segundo modo, ao observar outro cirurgião mais experiente trabalhando, e de um terceiro modo, ao começar a fazer pequenas cirurgias ele mesmo. São ações bem diferentes entre si, mas fazem parte de um mesmo processo. Se queremos nos preparar para o futuro, se queremos que cada vez mais pessoas tenham mais habilidades e habilidades mais sofisticadas, precisamos usar esse mesmo modelo de mais formas. Temos de parar de pensar em escola e trabalho como atividades separadas, porque ambas formam um contínuo. Educação faz parte desse processo e trabalho, frequentemente negligenciado, é parte igualmente desse processo.

Progresso humano é incluir mais gente ao pensarmos em “nós”, afirma Paul Romer (Foto: Abhijit Bhatlekar/Mint via Getty Images)

INCLUSÃO – PROGRESSO HUMANO É INCLUIR MAIS GENTE AO PENSARMOS EM “NÓS”, AFIRMA PAUL ROMER (FOTO: ABHIJIT BHATLEKAR/MINT VIA GETTY IMAGES)

EN Há alertas recorrentes sobre o sistema atual de inovação — uma reclamação comum é que o sistema de patentes cerceia a circulação de ideias. Temos mesmo um problema?
Paul
 Primeiro, deixe-me fazer o meu alerta: vemos hoje afirmações de todo tipo ricocheteando por aí. Pessoas começam a repetir o que as outras disseram, como numa câmara de eco, sem que tenhamos as evidências para isso. Muitas afirmações sobre sistemas de inovação são meros slogans. Mas podemos dizer que sempre há espaço para melhorias.

Todos os líderes deveriam prestar atenção a um certo problema, o maior problema a limitar o crescimento e o avanço do bem-estar da sociedade: pouquíssima gente está adquirindo o capital humano que torna possível o surgimento de ideias. As ideias estão sendo pouco convertidas em habilidades para quem produz. Isso aumenta a desigualdade, que causa estresse social e paralisia política. A desigualdade representa um obstáculo para que esse processo aconteça; e o processo não acontecer, por sua vez, realimenta a desigualdade. Quando critico a desigualdade, não estou defendendo transferências do tipo cobrar mais tributos dos mais ricos e repassá-los aos mais pobres. Estou dizendo que precisamos de mais pessoas educadas, qualificadas e capazes de contribuir com ideias, assim como tirar vantagem das ideias e tecnologias que já estejam disponíveis.

EN Outra afirmação recorrente é que as inovações do passado, como a eletrificação das cidades, foram mais impactantes que as atuais, como redes sociais. Tem sentido nos preocuparmos com o ritmo de inovação?
Paul
 É muito difícil medir isso de verdade. Eu preferiria que as pessoas que reclamam parassem de dizer “as coisas estão piorando”, “as coisas eram melhores antes”, e passassem a pensar em como fazer o processo funcionar melhor. Temos mesmo de lidar com algumas questões: há cada vez mais gente pensando no progresso tecnológico, há muito mais pesquisadores do que há 50 anos e mais profissionais com um cargo que inclui a palavra “inovação”. Mas o crescimento da economia não está acelerando.

Talvez esteja ocorrendo o seguinte: no passado, um pesquisador se dedicava ao trabalho por um período, custava US$ 50 mil e tinha ideias que valiam US$ 200 mil. Pode ser que agora tenhamos um pesquisador igualmente dedicado ao trabalho, mas ele custa US$ 75 mil e tem ideias que valem US$ 150 mil. A produtividade por pesquisador caiu? Certamente. Vamos querer por isso que esse pesquisador pare de trabalhar? De jeito nenhum. Essa pessoa ainda produz duas vezes o que custa. Temos de pensar em como melhorar o sistema. O avanço é difícil mesmo. De maneira geral, não acho útil pensar em termos de estarmos avançando mais lentamente ou mais rapidamente do que no passado. A questão é como fazer melhor com o que temos.

EN Ao receber o Prêmio Nobel e cumprimentar o outro ganhador, William Nordhaus [por sua pesquisa sobre economia e mudanças climáticas], você manifestou preocupação com o meio ambiente, mas acrescentou que não podemos abrir mão de crescimento sustentável. Por quê?
Paul
 Eu me dirigia a pessoas que ainda acreditam que a forma de proteger o meio ambiente é pararmos de crescer. Esta é uma ideia errada. Precisamos do crescimento e precisamos fazer progresso rapidamente na direção de proteger o meio ambiente. Com as políticas públicas corretas, podemos fazer isso. Ser sustentável significa aumentar a produção com o uso de inovação, de forma a poupar os recursos naturais e também oferecer benefícios a todos os membros da sociedade.

EN Taxar o uso de carbono é um bom exemplo de medida correta?
Paul
 É um bom exemplo. Gosto da ideia de tributar a emissão de carbono porque vai levar cada vez mais gente a pensar “como posso fazer meus negócios de outra forma?” Não temos ainda gente suficiente preocupada com o assunto – empreendedores, políticos, gestores públicos. A sociedade precisa que todos comecem a ter novas ideias a respeito.

EN Vale o mesmo para políticas governamentais de incentivo a setores verdes e energia limpa?
Paul 
Não vale. Se governos ficarem, digamos, incentivando a produção de painéis solares, há uma grande chance de termos, no fim das contas, apenas painéis solares de baixa qualidade. Prefiro o caminho oposto: cobrar impostos de quem polui e obrigar muita gente inteligente e capacitada a pensar “como eu tenho de mudar meu jeito de trabalhar, para não pagar esses impostos?”. Esse é um tributo que nós queremos que o contribuinte evite pagar. Queremos que o governo não o arrecade. É um tributo que encoraja todo tipo de inovação, mesmo antes de sabermos qual delas vai ser mais útil.

Ao receber o Nobel, Paul Romer (à esq.) elogiou o colega William Nordhaus, que estuda a relação entre economia e impacto ambiental (Foto: Pascal Le Segretain/ Getty Images)

CLIMA  – AO RECEBER O NOBEL, PAUL ROMER (À ESQ.) ELOGIOU O COLEGA WILLIAM NORDHAUS, QUE ESTUDA A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E IMPACTO AMBIENTAL (FOTO: PASCAL LE SEGRETAIN/ GETTY IMAGES)

 

EN Você propôs cidades como unidade de estudo e disse que ficam a meio caminho entre empresas e nações. Por quê?
Paul
 Por elas serem normalmente menores e menos populosas que países, e maiores do que companhias.

EN Sim, mas cidades são entidades políticas. O processo político é muito diferente do processo administrativo, e frequentemente mais confuso e mais lento. Tem sentido pensar em cidades como empresas grandes?
Paul 
Podemos também pensar nelas como nações pequenas. Mas pelo tamanho e pela proximidade dos atores envolvidos, cidades são mais fáceis de estudar. Apesar de todas as conversas sobre evolução da governança nas companhias, a estrutura básica de discussão e de decisões que usam tem paralelo com a estrutura que nossos governos usam. Você tem uma ou algumas poucas figuras que assumem o papel de executivo, de levar adiante as estratégias a implementar. E você tem um grupo de pessoas que fiscaliza, questiona e muda as regras, se for o caso. Para as ações de cada um desses atores há freios e contrapesos.

Ninguém gosta de um líder autoritário, em nenhum desses casos, mas todos gostam de um líder que apresente resultados. O gestor de uma cidade também pode ter objetivos bem definidos a respeito de qual efeito quer causar em quantas pessoas. O problema é que, quando passamos a estudar entidades políticas, como cidades e países, o debate se torna muito emocional.

EN Quais cidades estão fazendo um trabalho melhor em transformar ideias em crescimento?
Paul
 De modo geral, cidades maiores estão se dando melhor. Isso tende a dificultar as coisas para pessoas vivendo em cidades pequenas.

Cidades grandes, como Hong Kong, mostram-se melhores em aproveitar novas ideias, afirma o economista (Foto: Daniel Vfung/ Getty Images)

REFERÊNCIA CIDADES GRANDES, COMO HONG KONG, MOSTRAM-SE MELHORES EM APROVEITAR NOVAS IDEIAS, AFIRMA O ECONOMISTA (FOTO: DANIEL VFUNG/ GETTY IMAGES)

 

EN Causou polêmica a sua proposta de charter cities[cidades que, por contrato, deleguem definição de normas a uma terceira parte — como um governo estrangeiro ou empresa privada. Paul Romer começou a divulgar a ideia em 2008 e os governos de Madagascar e Honduras avaliaram a proposta].
Paul 
Agora faz dez anos que comecei a discutir publicamente a ideia. Quando comecei, sabia que muita gente não ia gostar, e essas pessoas se manifestaram. Foi bom começar a discussão. Desde então, temos mais material para debater. Se não gostam da minha ideia, por favor, proponham outras. Muitas das alternativas parecem muito piores.

NEGÓCIOS Há muitos empreendedores no Brasil interessados em causar impacto positivo na sociedade. Eles percebem que é mais difícil fazer negócios no Brasil por causa de problemas básicos, como corrupção e violência. O que você sugere a eles?
Paul 
É ótimo eles perceberem que esses problemas tornam mais difícil simplesmente ganhar dinheiro com o seu negócio. Não digo para entrarem para a política, nem sei se é melhor que procurem o governo municipal ou federal para propor suas ideias. Sugiro que eles procurem as oportunidades de provocar o máximo de efeito, mas que se encaixem com seus modelos de negócios.

NEGÓCIOS Globalmente estamos avançando, com mais tecnologia e redução da pobreza. Mas o futuro, quanto a liberdade e democracia, é incerto. Como você vê o nosso futuro?
Paul
 Há diferença entre progresso material e progresso humano. Precisamos observar como pensamos a respeito de “nós” e “eles”. Estaremos fazendo progresso humano só se também estiver aumentando o número de pessoas que incluímos ao pensar em “nós”.

(Esta entrevista faz parte da edição especial Época NEGÓCIOS Inovadores— 14 entrevistas com cabeças privilegiadas e criativas de diversas áreas) – (Por Marcos Coronato)

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