Um sobrevivente do Titanic na Hospedaria de Imigrantes do Brás

Publicado em http://museudaimigracao.org.br – 21 dez 18

Em 1924, mais precisamente em 28 de março, foi registrada na Hospedaria de Imigrantes do Brás uma família austríaca formada por marido, mulher e filho – Antonio Kink, Josepha e Friedrich respectivamente. Viajaram a bordo do navio Baden e tiveram como destino o município de Analândia, estado de São Paulo.

A princípio era uma família como várias outras que foram acolhidas na Hospedaria e se destinaram ao trabalho na lavoura paulista. No registro de matrícula há a informação de que a família sempre viveu na Áustria. Entretanto, como veremos a seguir, essa informação foi contestada, pelo menos no que diz respeito a Antonio Kink.

Em 10 de abril de 1912, no porto de Southampton (Inglaterra), Antonio (Anton) junto de sua primeira esposa, Luise Heilmann, sua filha de 4 anos, Luise, irmão e cunhada, Vincenz e Maria, embarcaram na fatídica viagem do famoso Titanic. Como se sabe, no dia 14 de abril, o Titanic colidiu com um iceberg no oceano Atlântico em sua viagem inaugural, a caminho de Nova Iorque. No naufrágio faleceram o irmão e a cunhada de Antonio Kink. Sua esposa e filha foram alocadas em um dos botes salva-vidas. Enquanto este descia, Antonio resolveu pular dentro dele. Acabaram, portanto, os três salvos. Foram morar na cidade de Milwaukee, estado de Wisconsin (EUA).

Em 1919 Antonio se divorciou de Luise e voltou para a sua terra natal, Áustria. Um ano depois casou novamente, dessa vez com Josefa Stranzel, com quem teve um novo filho; e em 1924, como citado, migra com a família para o Brasil.

Sendo assim, a Hospedaria de Imigrantes do Brás acolheu um sobrevivente do Titanic.

Além da curiosidade que nos desperta, tal fato nos ajuda a entender um pouco melhor a história das migrações para as Américas no começo do século XX. Por que em 1912 um austríaco decide migrar, com sua família, para os Estados Unidos e por que doze anos depois migra novamente, dessa vez para o Brasil?

O sonho de “fazer a América” orientou as ações de milhões de pessoas, principalmente a partir de meados do século XIX. Os Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil foram os países americanos que mais receberam imigrantes, provenientes predominantemente da Europa. Entre 1820 e 1930 os Estados Unidos receberam cerca de 30 milhões de imigrantes. O Brasil, entre 1884 e 1933, quase quatro milhões.

Os números indicam uma preferência, dentre praticamente todas as nacionalidades, em migrar para os Estados Unidos (exceção feita aos portugueses que, em razão de laços históricos, preferem migrar ao Brasil). Sendo assim o trajeto feito por Antonio Kink e família, em 1912, foi, se podemos definir dessa maneira, resultado de uma escolha comum à época.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) influenciou e alterou significativamente a vida dos europeus. Lembremos que Kink é austríaco, que a Áustria era um império (Império Austro-Húngaro) derrotado na guerra e, consequentemente, desmantelado. Outro império que desaparece é o Império Russo (Revolução Russa, 1917), dando lugar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (União Soviética, 1922). Sai de cena também o Império Otomano (1922). A Alemanha, maior derrotada, acaba a guerra muito fragilizada economicamente.

É justamente no pós Primeira Guerra, na década de 1920, que chega ao Brasil a maior quantidade de alemães, que migram em números expressivos povos do leste europeu como poloneses, húngaros, romenos, estonianos, lituanos, croatas, austríacos etc. Além disso, leis restritivas à imigração nos Estados Unidos (Immigration Act of 1924) afetaram, principalmente, asiáticos, eslavos, poloneses e italianos que desejavam migrar para lá. Tais pessoas precisaram buscar alternativas.

Claro que, no caso de Antonio Kink, precisamos levar em consideração um possível trauma com relação à viagem aos Estados Unidos. Como mencionado, ele se divorciou em Wisconsin, mas não sabemos em que circunstâncias. Esses fatores que podem ter contribuído, também, para a decisão dele de migrar para o Brasil em 1924.

De qualquer forma um sobrevivente do Titanic passou pela Hospedaria de Imigrantes e viveu no interior de São Paulo por quinze anos. Acabou a vida no Brasil com pouco dinheiro e resolveu voltar para a Áustria, junto com sua família, em 1939. Homem de pouca sorte, Antonio Kink volta para a Europa justamente no ano em que começa a Segunda Guerra Mundial.

 

Referência:

<https://www.encyclopedia-titanica.org/titanic-survivor/anton-kink.html>

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