Entrevista – Cláudia Leitão – para A CASA

Entrevista – Cláudia Leitão

Publicado por A CASA em 19 de Março de 2015 Por Ivan Vieira

“Oferecer um salário mínimo para um mestre é fundamental para a transmissão dos saberes”

Cláudia Leitão é professora da Universidade Estadual do Ceará e Ex-secretária da Economia Criativa do Ministério da Cultura.

Cláudia LeitãoO que é Economia Criativa?

Antes de chegar ao MinC, eu coordenava na universidade um Grupo de Pesquisas que estudava a temática das Políticas Públicas e das Indústrias Criativas. Nossa primeira preocupação era a de não tratar os setores culturais e criativos ao sabor dos desígnios do mercado, ou ainda, de evitarmos as armadilhas de considerarmos a economia da cultura como um business qualquer, ao serviço da especulação, do lucro e do sistema capitalista. A preocupação do nosso Grupo sempre foi a de pensar a construção de um conceito de Economia Criativa no qual nós, brasileiros, nos reconhecêssemos. Com isso, fui à Austrália em 2010 para fazer pesquisa com dois colegas. Nós já conhecíamos os textos de John Hawkins, Stuart Cunningham,  Michael Keene, enfim, de professores que já vinham desenvolvendo o conceito de “Indústrias Criativas” desde a proposta formulada pelo primeiro-ministro australiano Paul Keating: a criação de uma “creative nation”. Esse conceito trazia em si o resgate de uma identidade cultural australiana, assim como o papel estratégico da cultura para o desenvolvimento daquele país. Entretanto, constatei que lá as Indústrias Culturais trataram de forma pouco cuidadosa a cultura aborígene. Há galerias de arte aborígene lindas, mas não são os aborígenes que realmente ganham com sua própria produção, mas os atravessadores. Ao observar todas essas questões, voltei convencida que o Brasil deveria produzir algo novo sobre essa temática. Sabíamos, de antemão, que a compreensão anglo-saxã ou australiana sobre as Indústrias Criativas não se adaptariam à Economia Criativa no Brasil. O conceito de Economia Criativa deveria ser um conceito aberto, em construção. Afinal, gostaríamos que o conceito de Economia Criativa contribuísse nas discussões sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro. Sempre acreditei que o que existe de produção cultural nas periferias das grandes cidades, no cerrado, nos pampas, no semiárido e na Amazônia poderia ser estratégico para a economia dessas populações. A diversidade cultural poderia ser não só um patrimônio a ser valorizado e protegido, mas também a possibilidade de desenvolvimento das pessoas. Assim, nós definimos o princípio da diversidade cultural, considerando só denominar de criativa a economia que fomenta a diversidade, e não aquela que a pasteuriza. O segundo princípio é o da sustentabilidade, que não é somente econômica mas, sobretudo, social. O terceiro princípio é o da inclusão social, na perspectiva da inclusão produtiva. Por último, precisamos ressignificar a inovação, que não significa somente a produção de um bem que se encontra no mercado. Na perspectiva da cultura, inúmeros bens são inovadores e, exatamente por isso, não têm interesse para os mercados.
 
De que forma a atividade artesanal está representada no Plano Brasil Criativo?
O Plano trata o artesanato como um setor estratégico da Economia Criativa brasileira. No Brasil, se de um lado o Estado deve fomentar o artesanato que trabalha de uma forma sustentável com materiais recicláveis, de outro, deve combater o artesanato pasteurizado que, segundo Renato Ortiz, é aquele que nós podemos chamar de “folclore internacional popular”, que representa o esvaziamento de imaginários e a produção de “não lugares” no Brasil. Um dos problemas do artesanato brasileiro é que ele é objeto de políticas descoordenadas entre ministérios e outras instituições. Por outro lado, o Plano buscava criar canais de diálogo entre o artesanato e o design. Muitos designers vão beber em fontes e em territórios ancestrais, ao exemplo de comunidades quilombolas, outras da cultura tradicional popular. Muitos se apropriam de seus símbolos e de sua iconografia, desconsiderando os direitos comunitários daqueles mananciais. Não se trata de “congelar” o artesanato tradicional e não permitir que este dialogue com o design. Eu disse à presidenta Dilma que o Brasil poderia ser uma referência mundial no design. E por que não é? E por que a Itália é? Essas são perguntas que nós temos que nos fazer. Além do mais, o design brasileiro deve ser acessível  a pessoas de baixa renda. Poderíamos dar sustentabilidade ao design brasileiro somente com o nosso mercado interno.
 
Em 2003, na época em que você era secretária de cultura, o governo do Ceará instituiu o Registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular do estado. Qual a importância dos mestres da cultura no desenvolvimento da cultura regional e nacional? É papel do Estado reconhecer sua atuação?
Sou uma pessoa que acredita no estado intervencionista. Não acredito em um Estado liberal no Brasil. Não acredito em um Estado que diz que o mercado resolve. A visão neoliberal só acentua diferenças. Não posso mais acreditar num modelo concentrador. A concentração de renda é insustentável. É uma ilusão imaginar que podemos construir um país para alguns e não para todos. Foi nesse sentido que instituímos essa lei. Quando criamos o Livro dos Mestres da Cultura, o livro do patrimônio imaterial, e começamos a registrar, o que me impressionou é que não havia nenhuma lei no país com regulamentação voltada aos mestres. Lembro que no mesmo ano, em 2003, nós já fizemos a diplomação dos primeiros doze mestres. Só havia orçamento para doze. Uma coisa tão pequena. Mas era tão simbólico! Tenho certeza que no dia que o ministro Gil resolver escrever um livro sobre sua gestão, ele falará do Cariri, daquela noite da primeira diplomação dos primeiros doze mestres da cultura popular do Brasil. Oferecer um salário mínimo para um mestre é fundamental para a transmissão dos saberes.

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