Plástico de manga mostra como é difícil produzir inovação no Brasil

Biocomposto é produzido de uma mistura entre caroço de manga e biopolímeros orgânicos (Foto: Creative Commons / Scot Nelson)

Foram três anos de trabalho e 30 pesquisadores de quatro instituições para chegar à formulação
de um plástico biodegradável feito utilizando caroço de manga. O Brasil é o maior produtor mundial
da fruta, superando 1 milhão de toneladas por ano.

Desses, até 60% vira resíduo da indústria de sucos e polpa de fruta. Até então, no entanto,
não tinha muito o que fazer com tudo aquilo que sobrava.

“Aquilo vai se acumulando em um canto. O estoque apodrece, dá mosquito, rato, e vai gerando
um grande problema ambiental”, conta Edla Lima, pesquisadora da Embrapa Agroindústria
de Alimentos, que liderou o projeto.

“Nosso projeto tem duas pegadas ambientais. A de dar um destino econômico ao que era lixo,
e substituir o plástico do petróleo”.

Para chegar ao biocomposto, os pesquisadores trabalharam em duas frentes, misturando
dois biopolímeros orgânicos ao resíduo da manga: o PHBV — produzido por bactérias —
e o PLA —  obtido de moléculas de ácido lático.

Foram cansativas misturas e testes até chegarem às formulações ideais. “Há diversas
possibilidades de uso na área alimentícia, médica e de lazer”, afirma Rossana Thiré,
do Laboratório de Biopolímeros da Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Coppe/UFRJ.

O próximo passo, então, seria transformar o plástico de manga em protótipos de bancada,
passar por testes de uso e mercado, para que possa virar um produto. “Desenvolvemos,
divulgamos, já vimos quem se interessa, que tem uma pegada na sociedade”, diz Edla.

“Criamos uma novidade, mas não uma inovação. Inovação é quando tem adoção para
sociedade”.

E é aí que mora o problema. A crise orçamentária exaustivamente comentada por aqui,
também pegou em cheio a Embrapa. “Se jogar um real no chão, todo mundo aqui corre
para pegar. Tivemos um contingenciamento de 40%”, brinca Edla.

“O projeto deve ser analisados em escala nanométrica, usamos reagentes caros,
equipamentos sofisticados, mas nosso dinheiro que deveria ser para pesquisa, estamos
usando para pagar conta de luz e água”.

Caro, na verdade, é relativo. Afinal, para esse projeto de dois anos, foram R$ 120 mil,
mas com capacidade de gerar um impacto muito mais significante na economia e meio
ambiente. Porém, mesmo antes dos cortes de verbas, o desafio de gerar inovação no País
já era grande. Um exemplo foi a epopeia de Edla para conseguir o PLA, fundamental para
sua pesquisa.

O polímero ácido lático é importado. A pesquisadora precisava de 10 kg da substância, e a
empresa exportava no mínimo 500 kg. O fabricante até topava doar a quantidade, mas
somente os impostos de importação já inviabilizariam a pesquisa.

Com uma lista de todos os clientes brasileiros do PLA importado, começou a ligar um por um.
Sua pesquisa só chegou a esse ponto graças a 2M3D, que fabrica filamentos de polímeros para
impressoras 3D, e topou doar os 10 kg para o trabalho de Edla.

“Tem essa brincadeira que o brasileiro precisa ser estudado pela NASA, mas não é isso. É a
necessidade que faz a gente ser altamente criativos, pois não temos outra opção”, pondera Edla.

A jornada do plástico de manga não acaba por aí. Se a “novidade” existe hoje foi graças ao
esforço conjunto de instituições como a Embrapa Instrumentação (SP), Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), além da Embrapa
Agroindústria de Alimentos (RJ) e da Coppe.

Falta agora atrair a atenção da iniciativa privada, e com ela, seu investimento. “O empresariado
brasileiro tem aquela coisa de achar tudo muito bacana, mas na hora de participar, de entrar
como parceiro, é difícil”, desabafa Edla, que completa. “A gente precisa divulgar os esforços do
nosso País. Tirando em alguns centros, apoiados por empresas que ajudam a fazer ciência, a
gente tem que viver fazendo milagre”.

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